sábado, 28 de junho de 2014

MOSTRA FELLINI ABRE A PROGRAMAÇÃO DO MÊS DE JULHO



Com o filme A GRANDE BELEZA (2013,dir.:Paolo Sorrentino), que faz referência a Fellini, o Cineclube Paraty abre a programação de cinema  do mês de JULHO com a MOSTRA FELLINI, com esta exibição na Casa da Cultura, dia 29/06.
As demais exibições acontecem na Sala IPHAN (30 lugares) e traz importantes filmes da importante obra de Federico Fellini

Federico Fellini 
(Rimini1920 - Roma1993)


Um dos mais importantes cineastas do mundo, Fellini ficou eternizado pela poesia de seus filmes, que, mesmo quando faziam sérias críticas à sociedade, não deixavam a magia do cinema desaparecer. Fellini ficou famoso pela estrutura cult de seus filmes. Geralmente fazia críticas ao totalitarismo, marxismo, à igreja católica (Fellini chegou às vezes até a elogiá-la apesar das críticas que ele fazia à Igreja), ao capitalismo e a influência americana nos costumes de outros países, principalmente na Itália.
Trabalhou suas trilhas sonoras, na grande maioria das vezes, com o grande  compositor NINO ROTA

FILMOGRAFIA

Ano
Título original
Título no Brasil
Mulheres e Luzes
Abismo de um sonho
Os boas-vidas
1953
Amores na Cidade
A estrada da vida
A trapaça
Noites de Cabíria
A doce Vida
idem
Oito e meio
Julieta dos espíritos
Tre passi nel delirio****
(Histoires extraordinaires)
Histórias Extraordinárias
Satyricon de Fellini
ou
 Fellini - Satyricon
1969
TV
Anotações de um Diretor
Os Palhaços
Roma de Fellini
idem
Casanova de Fellini
Ensaio de Orquestra
Cidade das Mulheres
idem
idem
Entrevista
A Voz da Lua




Sobre a Grande Beleza

Crítica:

Com referências a Fellini e Antonioni, 'A Grande Beleza' retrata superficialidade

CÁSSIO STARLING CARLOS (CRÍTICO DA FOLHA (20/12/2013)
O que é a "Beleza"? Artistas e pensadores vêm há milênios tentando dar respostas menos físicas que metafísicas a essa questão.

Em "A Grande Beleza", o diretor italiano Paolo Sorrentino assume a ambição de agregar um sentido contemporâneo à montanha de respostas imprecisas.
Em 'A Grande Beleza', Paolo Sorrentino retrata elite italiana usando imponência de Roma
Como em 'A Doce Vida', Roma é a protagonista de 'A Grande Beleza'
Como o público conferiu em filmes como "Il Divo" e "Aqui É o Meu Lugar", o cinema de Sorrentino prefere o artifício e o decorativo, recursos que a crítica costuma avaliar como pomposos e vazios.
Na vida contemporânea que "A Grande Beleza" pretende representar, tanta saturação, contudo, vem a calhar.
Afinal, o filme retrata esse vazio cheio demais, a perda de sentido coberta de interpretações, o peso da superficialidade constante nas queixas de nove entre dez adultos com quem tentamos manter esforços de diálogo.Há um tanto de vampiro, de Nosferatu, na composição de Toni Servillo como o protagonista Jep Gambardella. Uma dependência do outro para se manter à tona, uma existência à custa de mundanismo.
Longe da embriaguez social, a lucidez do dia deixa Jep desorientado, vagando entre a nostalgia do tempo perdido e o tédio. Com seu charme peculiar, Servillo encarna uma versão tardia do Marcello Mastroianni de "A Doce Vida" de Fellini e de "A Noite" de Antonioni, ambos testemunhas de um passo da cultura no beco sem saída da opulência sem consistência.
Desde sua primeira exibição em Cannes, "A Grande Beleza" foi interpretado como uma releitura do clássico moderno de Fellini, uma atualização daquela Itália dos anos 60, enfim admitida no Primeiro Mundo, para a atual Berluscônia.
A originalidade de Fellini, para muitos, se reconheceria na capacidade de seus filmes provocarem revelações ao forçar a caricatura.
Hoje, quando, supostamente, todos deixamos de ser (humanos, diversos, singulares) para nos tornarmos réplicas de estereótipos, reproduzir o cânone pode ser um gesto valorizado e admirado.

O filme de Sorrentino, no entanto, não se esgota na citação ou na escolha da referência. Ele funciona, de fato, como a projeção que vemos quando se põe um espelho diante de outro, um efeito de abismo que provoca vertigens.





Abertura: Casa da Cultura de Paraty
29/06 , Domingo, 19h - Entrada Franca
A GRANDE BELEZA
(2013,  It/Fr, Dir.: Paolo Sorrentino; 2 h 21 min; 16 anos)

Em Roma, durante o verão, o escritor Jap Gambardella (Toni Servillo) reflete sobre sua vida. Ele tem 65 anos de idade, e desde o grande sucesso do romance "O Aparelho Humano", escrito décadas atrás, ele não concluiu nenhum outro livro. Desde então, a vida de Jep se passa entre as festas da alta sociedade, os luxos e privilégios de sua fama. Quando se lembra de um amor inocente da sua juventude, Jep cria forças para mudar sua vida, e talvez voltar a escrever.

Sala IPHN
4as, 19h30- Entrada Franca

Dia 02/07 -  Noites de Cabíria (1957,Fr/It; Drama;1h55min; 14anos)

Cabíria (Giulietta Masina) é uma jovem romântica e ingênua que se prostitui para sobreviver. Mesmo enfrentando muitas dificuldades, ela demonstra uma confiança impressionante e sonha com o verdadeiro amor enquanto sofre constantes desilusões amorosas.

Crítica
Adaptar o Personagem ao Ator

 por Federico Fellini

(Publicado em Cahiers du Cinéma nº 84, Junho/1958;

 traduzido do francês por Luiz Carlos Oliveira Jr.)


Se penso nos filmes que rodei com Giulietta, posso dizer que a construção de minha personagem é baseada inteiramente nas suas possibilidades de atriz. Em geral, quando penso em uma história, já sei com bastante exatidão quais serão os intérpretes de meus personagens principais. Por exemplo, Os Boas Vidas foi escrito sob medida para Sordi, para Trieste, para Interlenghi, para meu irmão... O único personagem que, no momento em que escrevia meu roteiro, eu não sabia por quem seria interpretado foi confiado a Franco Fabrizzi. Fiz numerosos ensaios e finalmente me decidi por Franco. Assim, quando escrevo uma história, já sei qual ator chamarei para cada papel. Mas às vezes, quando o roteiro está terminado e estou pronto para filmar, descubro que o ator em que tinha pensado não está livre, como ocorreu para A Trapaça. Escrevendo o roteiro, eu tinha pensado em Humphrey Bogart, mas na última hora – contar o porquê levaria muito tempo – o ator não estava mais disponível; tive de me decidir então por Broderick Crawford, que não conhecia senão por intermédio de fotografias, pois não tinha visto Les Fous du Roi, filme do qual arrumei uma projeção quando Crawford chegou na Itália. Houve então, de minha parte, uma adaptação do personagem a Crawford, a suas possibilidades de ator e a sua silhueta volumosa, totalmente diferente daquela de Bogart que, vocês se lembram, era muito mais parecida com a de um lobo faminto, com um rosto fundo, e que talvez fosse exprimir com mais eficácia o desespero de uma vida esgotada. Em suma, a melancolia profunda de Bogart teria sido provavelmente mais eficaz que aquela de Crawford. Para Crawford, precisei fazer algumas transposições, o que sempre faço com bastante prazer, pois creio que o imprevisto, o imprevisível, é às vezes um elemento positivo pra o sucesso de uma obra. Quando não posso encontrar o ator que quero ou quando não sou bem sucedido na busca de um rosto tal como minha imaginação o havia concebido, ponho-me com uma grande desenvoltura rumo a outra solução.
Em suma, eu gostaria de dizer isso: que jamais cometo (e talvez esteja aí o único sistema que se pode identificar no meu método de trabalho) o erro – pois isso me parece um erro – de adaptar o ator ao personagem, mas faço sempre o contrário, o que significa que me esforço para adaptar o personagem ao ator. Nunca peço ao ator um esforço de interpretação particular, ou seja, nunca me obstino a fazê-lo dizer meus diálogos num dado tom. O caso de Giulietta interpretando Gelsomina é o único exemplo em que obriguei uma atriz que tem um temperamento exuberante, agressivo, até pirotécnico, a fazer o papel estilizado de uma criatura retraída de timidez, com um clarão de razão e de gestos sempre no limite da caricatura e do grotesco. Isso me demandou um esforço muito grande e nesse caso particular, Giulietta, contrariamente ao que ela fez por Cabiria, precisou de um esforço de interpretação muito grande, porque Gelsomina é uma “interpretação” enquanto “Cabiria” estava muito mais na sua afinação, com sua agressividade, seu temperamento quase um pouco alucinado, sua prolixidade.
Quando dirijo meus atores, em geral mimetizo completamente a ação e tento dar eu mesmo aos diálogos a entonação que me parece a boa. Mas às vezes, para não arriscar de influenciá-lo, para não obrigar o ator a me imitar, gosto de ver o que ele faria por si próprio. A esse propósito posso dizer uma coisa: é que minha inspiração, no que concerne á interpretação dos atores, vem principalmente entre a filmagem de um e outro plano, durante os momentos em que o ator vai se sentar numa cadeira, em que ele pede seu lanche, em que ele flerta com uma figurante, em que ele vai telefonar ou em que ele tira uma soneca.
É sempre difícil remontar justo à fonte da inspiração, mas eu poderia contar a esse propósito como nasceu o fim deNoites de Cabíria. Ele não nasceu apenas como fim, mas também como a idéia geradora de todo o filme. Quando um certo jornal de esquerda me acusou de ter uma atitude evasiva perante a realidade, de nunca sugerir nas minhas histórias uma solução, um ponto de vista preciso, esforcei-me em agir com humildade sem levar em conta a irritação que senti ao ler coisas que realmente não esperava, e disse a mim mesmo: efetivamente, Zavattini e de Sica sugerem a inscrição a um partido, assim como sugerem alguma coisa a seus personagens, dão-lhes uma direção, e isso porque eles têm uma certa fé que eu não tenho, ao menos não num sentido preciso. É por isso que, ao fim de seus filmes, suas histórias e seus personagens satisfazem mais que os meus. Então eu me disse: talvez esses senhores tenham razão. A meus personagens, não termino por dizer ao fim do filme: “Vocês compreenderam direitinho, é preciso comprar tal jornal, ou também é preciso se casar, ou também ir à igreja...”. Não termino por lhes dizer nada.
No fundo, essa é uma atitude muito inumana da parte de um autor perante seus personagens. Portanto, investindo toda minha boa vontade (como se eu tivesse enfim resolvido dizer a meu personagem: “Você compreendeu bem, você fará isso ou aquilo”), me perguntei: “O que vou lhe dizer?”. E depois de pensar sobre isso durante muito tempo, percebi que não saberei o que lhe sugerir, porque não sei o que dizer a mim mesmo. Assim sendo, aos meus personagens, que são sempre tão infelizes, a única coisa que poderei oferecer será minha solidariedade: e assim poderei, por exemplo, dizer a um deles: “Escuta, não posso te explicar o que não sei, mas, em todo caso, te amo o suficiente e te ofereço uma serenata”. E assim, para Noites de Cabiria, pensei: quero fazer um filme que conte as aventuras de uma infeliz que, a despeito de tudo, espera confusamente, ingenuamente, por melhores relações entre os homens, simplesmente melhores relações; e ao fim do filme quero lhe dizer: “Escuta, fiz você passar por todo tipo de desgraça, mas você me é tão simpática que quero compor-lhe uma pequena serenata”. E depois, sobre essa idéia talvez um pouco ingênua, imaginei uma cena. Tratava-se de uma mulher, de uma personagem infeliz que, ao fim de uma aventura ainda mais terrível que as outras, deveria perder de maneira absoluta e definitiva sua confiança na humanidade que a rodeava. E então me perguntei: por que essa personagem, num dado momento, não pode se convencer de que há alguém que lhe diz gentilmente e com simpatia: “Você tem razão”? E assim essa personagem se tornou Cabiria, e suas aventuras se tornaram aquelas de uma prostituta que vive como um pequeno camundongo num meio aterrorizante, continuamente esmagada pela realidade, mas que atravessa a vida com inocência e aquela misteriosa confiança. Ao fim do filme eu a faço encontrar um grupo exuberante de pessoas bem jovens, de uma humanidade ao limiar da vida, que gentilmente, debochando um pouco mas com candura, exprime-lhe sua gratidão cantando uma canção. Foi dessa idéia que, finalmente, nasceu todo o filme.
No que concerne minha colaboração com Giulietta, posso dizer que Giulietta não é somente a intérprete de meus filmes, mas que ela é também a sua inspiradora; não entendo por isso que a ajuda que ela me traz seja semelhante àquela de Pinelli, de Flaiani, de Rondi, quero dizer inspiradora num sentido bem mais profundo, à maneira de uma musa. Isso equivale a dizer que a vida com Giulietta – o que penso disso, a idéia que faço dela, do que pode ser sua humanidade, do que pode ser seu sentido na minha vida – me inspirou A Estrada da Vida e Noites de Cabiria.


Dia 09/07- 8 1/2 ( 1963,Fr/It; Drama/Fantasia; 2h20min; 14anos)

Prestes a rodar sua próxima obra, o cineasta Guido Anselmi (Marcello Mastroianni) ainda não tem idéia de como será o filme. Mergulhado em uma crise existencial e pressionado pelo produtor, pela mulher, pela amante e pelos amigos, ele se interna em uma estação de águas e passa a misturar o passado com o presente, ficção com realidade.

Crítica:



“oito e meio”, 8 ½, otto e mezzo, de Fellini


O filme conta a história de um cineasta de prestígio, Guido (personagem protagonista vivido por Marcello Mastroianni), mergulhado em uma crise existencial e de inspiração criativa, pressionado pelo produtor, pela mulher, pela amante e pelos amigos, ele se interna em uma estação de águas procurando novas inspirações para o seu novo filme, onde passa a mesclar o passado com o presente, e ficção com realidade.
Às recordações da infância, como o ritual do banho e o rigor da educação religiosa, juntam-se as paixões desencontradas do presente, encarnadas pela amante Carla, pela esposa Luisa e pela recorrente figura feminina que povoa seus devaneios. Nesse cenário ele tenta encontrar um sentido para seu novo trabalho, enquanto todo o processo de produção do filme prossegue sem uma presença ativa de sua parte. Mesmo às vésperas de começar a realizar sua nova obra cinematografica, o cineasta revela-se uma incógnita tanto à imprensa quanto aos colaboradores mais próximos, já que ninguém sabe do que se trata o tal novo filme, além das reclamações dos personagens querendo saber, afinal, qual é o papel de cada um.


Pensando o filme


O significado de Oito e Meio dentro do filme é enigmático, uma referência particular de Fellini, de sua carreira , o filme trata, segundo o próprio diretor, de um auto-retrato. Ele faz referencia aos sete longas que havia realizado e à duas co-direçoes como equivalendo a meia obra. Desse modo, o oitavo se chamaria Oito e Meio.
O filme Oito e Meio foi o segundo realizado pelo cineasta italiano a partir da ruptura com o neorealismo (movimento no qual o cineasta devia registrar a realidade de maneira fiel, com o mínimo possível de intervençao estética, movimento cinematográfico vigente na Itália nos anos e 40 e 50).
A partir de, A Doce Vida (1961) filme anterior a Oito e Meio, Fellini começou progressivamente a abandonar as regras neorealistas . Cada vez mais interessado no processo fragmentado de construção de idéias e a partir do subconsciente, com ênfase especial em suas memórias. Fellini passou a desafiar a narrativa dramática clássica, incluindo seqüências oníricas e imagens nostálgicas sem ligação aparente com os enredos.
O roteiro de Oito e Meio tem um tom bastante autobiográfico, Fellini realmente sofreu um bloqueio criativo, após La Dolce Vita como confessou para a mídia na época : “Tinha um produtor, um contrato, estava na Cinecittà e todos estavam prontos, me aguardando para fazer um filme. O que eles não sabiam era que a minha próxima obra fugira de mim. Os cenários estavam prontos, mas não conseguia encontrar minha inspiração”. Após um período de angústia e introspecção, Fellini achou a solução : contar a historia de um artista em dificuldade de criação, de fazer um filme.
Oito e Meio é um dos marcos diferenciais na carreira do grande cineasta italiano; nesse filme tudo é fantasioso, desde a forma como se aglomeram as sequencias (um verdadeiro exercício da memória) até o conteúdo interno das imagens . Com uma ousadia formal, Fellini começou a libertar-se do envolvimento dramático tradicional, inovando a narrativa cinematográfica, os conceitos estéticos dos anos 60.
Em Oito e Meio a fala do personagem de Mastroianni “Eu queria fazer um filme honesto, sem nenhuma mentira” parece ter sido a inspiração de Fellini para romper com o momento crítico, quebrar as barreiras entre o real e o onírico e realizar 8 e ½.
Filmado em preto-e-branco, subjetivo ao extremo, pontuado de surrealismo, com devaneios às vezes quase incompreensíveis e carregado de um simbolismo poético nem sempre evidente, Oito e Meio representa um verdadeiro desafio cinematográfico ao espectador comum.
Nesse filme Fellini nos mostra mais uma vez sua poesia cinematográfica e retrata a fauna humana que o diverte e intriga. Um dos mais inovadores filmes da história do cinema, obra-prima do cineasta italiano, dizem os críticos de cinema do mundo inteiro.
Em Oito e Meio, ele transformou em filme (como já foi dito) o bloqueio criativo verdadeiro,real que vivia na ocasião. Em outras palavras, Fellini criou o que muitos artistas fazem em momentos de desespero profissional: uma obra de arte que reflete a angústia do criador, num momento em que não se sente capaz de criar. Oito e Meio é um filme que reflete as dúvidas, as tensões, as angústias de fazer cinema e reflete as desordens internas do artista.



 por devircinema




Dia16/07 
Os Palhaços 
(1971, Fr/Al/It: Comédia Dramática; 1h32min, 14 anos)


O universo circense possui uma grande variedade de personagens, mas certamente não teria a mesma importância sem a presença da figura do palhaço. As múltiplas sequências de atuação e as entrevistas de indivíduos que seguiram seu destino no circo comprovam a mudança de significado que esta instituição sofreu e preservam a valorização do papel do palhaço.

Critica:

O Imaginário Feliniano
Sétima Arte
Ao discorrer sobre Federico Fellini, Gilles Deleuze conclui que o cineasta “alcança a confusão desejada do real e do espetáculo, negando a heterogeneidade dos dois mundos, suprimindo não somente a distância, mas a própria distinção do espectador e do espetáculo”.
Tal pensamento, vale dizer, adequa-se com precisão sobre a análise de Os Palhaços (Itália/França, 1971) tendo em vista a originalíssima forma com que o italiano mescla as linguagens ficcional e documental. Neste sentido, a obra não chega a configurar um exemplo demockumentary uma vez que se debruça sobre seres reais, porém, uma vez que a encenação dos planos não é em momento algum mascarada, nítida se mostra a intenção de apresentar um trabalho metalinguístico que, acima de qualquer rótulo, aborde situações verídicas permeadas por reminiscências próprias do diretor - o que acaba por agregar um tom ficcional a obra.
Dentro deste contexto, considerando o estilo muito próprio – ou felliniano – com que o artista retratou personagens pitorescos ao longo de toda sua filmografia, é correta a impressão de Nathalia Rech ao afirmar que “para Fellini, sair de casa já é um circo”³, o que explica um pouco do fascínio daquele sobre o mundo circense, bem como sua angústia perante um tempo que deu as costas para tal manifestação cultural, situação essa materializada na fala de um antigo palhaço que assim lamenta: “Os palhaços não desapareceram, as pessoas que não sabem mais rir”.
Ao resgatar uma época esquecida que lhe é muito cara, Fellini não só presta uma bela e criativa homenagem aos artistas do picadeiro como também reflete sobre o futuro da arte e da tradição. E tudo isso em meros 90 minutos.

Dia 23/07 -
Ensaio de Orquestra
(1978,Fr/Al/It; Comédia dramática/Musical; 1h10 min, 14anos)


  1.  
Critica

ENSAIO DE ORQUESTRA DE FELLINI: UMA SOCIEDADE FORA DE SINTONIA

No que era a antiga capela da Roma medieval, um oratório recebe as performances de uma orquestra musical. As competições internas e as hierarquias que existem dentro do grupo de instrumentistas são postas em evidência quando estes são entrevistados por uma equipe televisiva presente no local.
Uma das últimas obras de Federico Fellini, "Ensaio de Orquestra" em princípio seria um filme sobre música, uma ode aos instrumentos e à música clássica, mas acabou tornando-se um marco em sua filmografia pela temática política, pois o diretor italiano sempre deixou claro sua fobia pelo tema. Mas em "Ensaio de Orquestra" é impossível não enxergar a crítica em cima do comportamento social e a influência de líderes e políticos sobre seu povo.
Ao início dos créditos do filme ouvimos um barulho de trânsito repleto de buzinas, simbolizando uma mescla de desorganização com falta de educação; e isto se comprova com a chegada dos músicos na capela onde será feito o ensaio da orquestra. Ali, todos falam ao mesmo tempo, uns estão preocupados com o jogo que passará no rádio, outros precisam tomar seus remédios. É interessante notar que existe um pequeno, mas notável atraso no som diegético do filme em relação à imagem, trazendo para o espectador um estranhamento e fazendo-se perceptível lá na frente a falta de sincronia entre os músicos da orquestra. Logo chega uma equipe de filmagem que fará uma documentação do ensaio; e na voz de Fellini, o entrevistador começa a conhecer os instrumentistas. Cada um defende seu instrumento e o papel deste na peça, outros não querem aparecer, a pianista, chega a virar cambalhota para agradar o entrevistador. Neste momento conhecemos o maestro, que como todo líder, organiza as pessoas e inicia o ensaio.
O maestro tem a fala grossa, e não admitindo os erros dos músicos ele os adverte em alto e bom tom, e não demora para alguém citar que a lei sindical não permite mais de três ensaios. Assim o maestro diz: “vocês deveriam se preocupar mais com a música e não com o sindicato...”.
O copista fala para a câmera que os instrumentistas são enjoados e que antigamente eram mais dedicados e respeitavam o maestro. O maestro, em seu intervalo, também se defende perante as câmeras, citando as leis absurdas que proíbem o totalitarismo do regente.

Logo os músicos infelizes com a situação “humilhante” que estão passando diante do comportamento do maestro, se revoltam, quebram cadeiras da capela, cantam e escrevem nas paredes palavras de ordem, jogam dejetos nos quadros de músicos consagrados e até substituem seu regente por um metrônomo. Prontamente surgem diferenças entre os manifestantes que se encontram perdidos em meio ao caos que criaram; a baderna perdura até que uma tragédia acontece e entram em desespero. O momento torna-se propício para aquele que antes fora líder voltar ao seu posto original; o maestro restabelece a ordem local e como uma paródia direta a Hitler, começa a comandar seus súditos de forma ditatorial e em alemão.

O filme de Fellini, torna-se mais atraente ao analisarmos o contexto histórico da época na Itália. O lançamento do filme coincidiu no mesmo ano do seqüestro, tortura e assassinato do primeiro ministro, Aldo Moro, pelas Brigadas Vermelhas. Moro queria unir pacificamente o lado comunista da Itália que possuía 34% das cadeiras parlamentares, com o lado de extrema direita apoiado pelos EUA, nos anos 1970, durante a Guerra Fria. As Brigadas Vermelhas eram um grupo de revolução comunista armada que não aceitava a conciliação entre a direita e a esquerda. Aliás, nenhuma das partes queria tal acordo. Com Moro fora de cena, o democrata cristão Andreotti assumiu e fez dura oposição aos comunistas. O fato é que eram muitos interesses próprios, incluindo EUA e União Soviética, mas nenhum deles estava realmente preocupado com a situação econômica da Itália.
Se levarmos a metáfora de "Ensaio de Orquestra" ao pé da letra, temos a Itália como uma orquestra confusa e mal ministrada. Apesar do descontentamento e da revolta popular, o povo empobrecido com uma perda e temente ao futuro, opta pelo status quo.Não obstante, analisando o filme nos dias de hoje, sua temática continua atual e, atingiu proporções globais. No Brasil tivemos agora uma fagulha do sentimento de revolta através dos protestos liderados a princípio pelo Movimento Passe Livre que, com o tempo tornou-se uma revolta popular de nível nacional chegando a ser considerada uma das maiores da história do país. Em um certo momento foi impossível deixar notar-se a quantidade de palavras de ordem e motivos para se estar nas ruas, tudo ficou confuso; nem mesmo o povo, quanto menos a mídia e o poder público sabiam exatamente o motivo de revolta (semelhante ao longa de Fellini). Mas uma coisa era certa: não era só por R$ 0,20, ou seja, eles sabiam o que não eram, mas não exatamente o que queriam. Passado a euforia inicial e a esperança de uma mudança brusca e imediata no país, surgiu um sentimento de medo; comparava-se o momento com os antecedentes do golpe militar de 1964, onde a partir de uma crise no país, uma economia desorganizada e um panorama político confuso, os militares deram um golpe e a ditadura militar entrou em vigor.

Todos esses ideais nos fazem chegar a conclusão que, assim como os livros "1984" (George Orwell) e "Admirável Mundo Novo" (Aldous Huxley), "Ensaio de Orquestra" continua recente e profético. Porém agora, com o surgimento do Wikileaks de Julian Assange, as denúncias de Bradley Manning e Edward Snowden e o início de uma certa consciência político social da população brasileira e mundial, existe uma gota de esperança para que este regime totalitarista silencioso perca força e torne o filme de Fellini apenas um guia de estudo, e não um filme de comparação com os governos ditatoriais atuais.


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