"A Deus" Thomaz Farkas
*por André Góes
Há 4 anos o Cineclube Paraty iniciava suas atividades com uma Sessão de Estréia especial. No programa estavam quatro documentários de curta e média metragens produzidos pelo húngaro de nascimento, e brasileiro de alma e de olhar, Thomaz Farkas. Três destes compoem a Caravana Farkas : Visão de Juazeiro, Nossa Escola de Samba e Todomundo.
Para compensar a ausência do convidado de honra para esta sessão inaugural do CP, cancelada em cima da hora por problemas familiares, Thomaz nos presentou liberando para exibição uma cópia exclusivíssima em DVD do "recente" Pixinguinha e a Velha Guarda do Samba. Explico as aspas : em 1954, durante as comemorações do aniversário do quarto centenário da cidade de São Paulo, no Parque do Ibirapuera, Farkas filmou com uma câmera 16 mm, sem som, um show do Pixinguinha. Este filme ficou perdido por mais de 50 anos. Encontrado recentemente, junto com Ricardo Dias, eles ampliaram para 35 mm e colocaram som. O doc-curta de 10 minutos ficou pronto em 2006, foi exibido e premiado em alguns festivais. O incentivo e o apoio deste grande fotógrafo, produtor e diretor de cinema, que tive o prazer e a honra de conviver um pouco, aconteceu desde antes desta sessão de estréia. Além do presente acima citado, Thomaz também disponibilizou para o nosso cineclube todo o acervo do seu trabalho em cinema : muitas fitas VHS, cópias feitas a partir de suas produções originalmente em película. Como fotógrafo que também sou, ficou registrada na minha mente, a bela imagem daquela fileira de fitas - mais de 30 - cuidadosamente identificadas e dispostas em um dos quartos do andar superior, bem ventilada e banhada por uma poética luz entrando pelas janelas, da casa de sua família no centro histórico de Paraty.
Apaixonado pelo Brasil, especialmente por Paraty, o que sempre interessou a Thomaz Farkas foi documentar em imagens (foto e cine) um Brasil, ou melhor, os vários brasis desconhecidos da grande maioria dos brasileiros. Isto ainda tem sua veracidade atualmente, mas imaginem numa época em que a TV estava chegando ao país; começo da ditadura militar, do Cinema Novo, de Glauber Rocha, quando a produção de documentários ainda era bastante excassa no Brasil
Empresário e então proprietário da Fotóptica, Thomaz bancou entre 1964 a 1980 um empreendimento muito original. Produziu uma série de 40 filmes documentários que são conhecidos com Caravana Farkas. Ele reuniu um grupo de jovens, porém muito competentes cineastas, entre eles Maurice Capovilla, Geraldo Sarno, Paulo Rufino, Paulo Giil Soares, Sérgio Muniz, Guido Araujo, Euardo Escorel e Vladimir Herzog, em diferentes épocas e grupos eles partiam de São Paulo, em jipe e caminhonete, para todas as regiões do Brasil, com o impressionante objetivo de revelar quem somos, afinal. Mas, os filmes não são simplesmente registros frios da realidade; eram documentários porém com interpretação, com olhar crítico.
Em 2004, Farkas passou para o outro lado das câmeras. Foi tema de um documentário (não podia deixar de ser !) realizado por Walter Lima Junior. Agora, na última sexta-feira, 25 de março, Thomaz Farkas passou para o outro lado da vida. Descanse (ou festeje !?) em paz.
Elizabeth Taylor e Romy Schneider já estão por lá.
* André Góes é cinéfilo e diretor-geral do Cineclube Paraty
Foto: Lauro Monteiro