sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

ACORDANDO CONSCIÊNCIAS - O Inter_Cine na Semana Da Consciência Negra

                
              O mês de Novembro encerrou com um balanço muito positivo pelo Cineclube Paraty: eventos em parceria (como a participação no Festival Internacional de Cinema de Paraty), a mostra sobre o Lars Von Trier, que apresentou os quatro últimos longas metragens do diretor, incluindo as polemicas Ninfomaníaca I e II, e um grande sucesso de público em todas as sessões.  A essa já rica programação juntou-se à última edição do Projeto Inter_CINE®.  O Cineclube Paraty, desde sempre interessado em levar à sala temas de atualidades e estimular o debate e confronto com os espectadores, não faltou ao seu compromisso no Dia da Consciência Negra.


                Essa data, tão importante para história do nosso país, não podia passar como um feriado qualquer, principalmente na cidade de Paraty,que antes de ser cidade turística, teve um papel importantíssimo na época da escravidão e foi testemunha da passagem de milhares de negros africanos trazidos para trabalhar nas minas de ouro. Eis porque esta data merecia uma atenção especial e tinha que ser um momento de reflexão sobre essa questão ainda bem presente no Brasil, como no resto do mundo.  O que melhor do que o cinema, para abrir a discussão e oferecer, através de longas metragens de grande qualidade, mais uma oportunidade de debate?

                O Cineclube Paraty decidiu dedicar não um dia, mas uma semana à Consciência Negra e aproveitou para promover a oitava e nona edições do projeto Inter_CINE®  - Encontro de Intercambio Cultural e Educacional através do Cinema, já tão bem recebido  pelo público nas passadas edições.

                Na quarta feira, 19 de Novembro, com a colaboração da Casa da Cultura, foi exibido o filme “Infância Roubada”, da Africa do Sul, ganhador do Oscar como Melhor Filme Estrangeiro em 2006. 


O filme retrata a história de um menino, de apelido Totsi, que numa noite, após sair ganhador de uma sangrenta briga de bar, rouba um carro. Enquanto acelera pela noite, ele ouve um barulho no banco de trás e acaba sofrendo um acidente. Na traseira do carro descobre um bebê. Sem saber o que fazer, leva-o para o gueto de Johanesburgo em que vive. Lá convencerá a jovem mãe Miriam a cuidar de "seu filho", numa relação que logo provocará mais confrontos. O filme é um excelente retrato da vida nas favelas em uma das maiores cidade  da África do Sul e das contradições entre a cidade moderna e rica, das elites tanto branca quanto negra, e do abandono que sofre a população negra dos guetos que com dignidade luta dia a dia contra a precariedade e a pobreza.

                As portas da Casa da Cultura abriram às 9 horas para receber os alunos do ensino médio do CEMBRA e do CEIP Brizolão 999, que lotaram a sala e assistiram ao filme. Logo depois do filme, o Diretor Geral do Cineclube Paraty, Danilo Medeji, chamou no palco os convidados dessa primeira sessão, o casal Augusto Menezes e Daniela Pavanato.








                Eles viajaram para África do Sul em 2013 com os seus dois filhos e tiveram a ocasião para contar essa maravilhosa experiência ao redor do país. Depois de ensinar aos estudantes duas das principais saudações em Zulu (umas das 11 línguas oficiais do país), mostraram fotos que ajudaram a descrever a viagem, durante a qual eles se aproximaram de aldeias indígenas e povoadas do interior, mais afastados das grandes cidades, entrando em contato com a cultura popular sul-africana, objetivo principal do seu roteiro. Já nessa primeira etapa eles perceberam a forte discrepância entre brancos ricos que falam inglês e negros pobres, mas também ressaltaram um aspecto bem presente no filme, a “decência” e dignidade do mais pobres, o extremo carinho com o qual foram recebidos e a ajuda que lhes deram nos momentos de dificuldades que atravessaram durante os trajetos nas precárias estradas do interior do país.




                 Eles se aproximaram também dos subúrbios de Johanesburgo, locação principal do filme e puderam ver como a divisão cor - classe social é ainda muito nítida na estrutura social e permeia todos os ambientes, assim como a colonização européia nas grandes cidades é muito gritante. Mesmo com a finalização do regime do Apartheid em 1991 e a chegada à presidência de Nelson Mandela em 1994, a discriminação contra a maioria negra é ainda uma realidade.



                Uma reflexão nesse sentido foi feita a propósito do Brasil e da necessidade de superar essas barreiras divisórias ainda em pé, reconhecer a matriz africana do nosso país a través das diferentes expressões culturais nele presentes. Foi uma ocasião para Augusto e Daniela promoverem também as atividades do Maracatu Palmeira Imperial, que há 7 anos em Paraty, oferece um lugar para qualquer pessoa quiser aprender a dançar ou tocar uns dos instrumentos típicos deste ritmo, originário do Nordeste do país, mais que claramente tem suas raízes mais profunda no continente africano.




                A segunda sessão da Semana da Consciência Negra foi realizada no domingo 23 de Novembro, pontual como de costumem às 19 horas na Casa da Cultura. Desta vez foi exibido um filme de produção norte-americana que foi muito estimulante pelo debate que seguiu.


                O filme “Histórias Cruzadas” (“The Help”) de 2012 se desenvolve em Jackson, pequena cidade no estado do Mississipi, nos anos 60. Skeeter é uma garota da sociedade que retorna determinada a se tornar escritora. Ela começa a entrevistar as mulheres negras da cidade, que deixaram suas vidas para trabalhar na criação dos filhos da elite branca, da qual a própria Skeeter faz parte. Aibileen Clark, a emprega da melhor amiga de Skeeter, é a primeira a conceder uma entrevista, o que desagrada à sociedade como um todo. Apesar das críticas, Skeeter e Aibileen continuam trabalhando juntas e, aos poucos, conseguem novas adesões.

                Um bom público acompanhou as quase 3 horas de visão e participou entusiasta ao bate-papo com a Luana Antunes Costa, professora de Literaturas e Culturas Africanas e Afro-brasileira, tradutora e colaboradora do Cineclube Paraty. A grande experiência da Luana em questões raciais, não somente em âmbito acadêmico, enriqueceu o debate sobre um aspecto muito interessante do filme, o clichê típico da questão racial nos Estados Unidos onde os brancos “salvam” os negros: cheia de bons sentimentos e porém apaixonante, a longa-metragem não quebra com essa construção ideológica.



                Luana, entrevistada pelo mediador e conselheiro do Cineclube Paraty, André Goés, respondeu às perguntas do público e imediatamente o enfoque da conversa foi para o Brasil e a situação racial que infelizmente ainda não tem muitos espaços de debate, embora o racismo seja diário e sistemático. Luana contou ao público algumas anedotas muito eficazes para entender o fenômeno, episódios que ela sofreu por ser negra e mulher, e mais uma vitima desse racismo “à brasileira”: um racismo velado onde o mesmo setor institucional toma conta de reproduzir um discurso racial, pois, ela reiterou, não tem já no Brasil um racismo pessoal, se não uma necessidade de enquadrar as pessoas pela cor da pele e de lá desencadear todos os preconceitos sociais que o acompanham, como por exemplo, negro igual à pobre.



                A participação do público, que elogiou repetidamente a iniciativa do Cineclube Paraty pedindo por mais momentos de encontro e debate desse tipo, confirmou mais uma vez que as sessões e as iniciativas a elas conectadas estão se afirmando na cidade como espaço pontual de intercâmbio, educação, cidadania e inclusão social e estão contribuindo para ampliar o panorama cultural da nossa cidade que às vezes resulta carente de eventos que abram a discussão aos seus cidadãos.